Passe Livre

 Passe Livre
Essa é uma obra de ficção.
Qualquer semelhança com fato real
é mera coincidência.

O cobrador do coletivo tentava explicar, em vão, diga-se de passagem, a uma senhora que ele era apenas um empregado e que estava apenas fazendo cumprir o seu papel como agente de bordo. Nome “científico” para cobrador, em alguns lugares ele é o trocador, que no fundo é trocar seis por meia dúzia.

É engraçado quando alguém contesta a razão dos tripulantes das naves dos asfaltos urbanos, porque sempre outros passageiros se envolvem na discussão, às vezes querem reivindicar a posse da razão, outras vezes só para sair da condição de mero expectador. Alguns ficam a favor dos trabalhadores do trânsito. Outros são ferrenhos defensores de causas irrelevantes, perdidas mesmo. Querem a qualquer custo fazer valer a sua voz a favor dos passageiros, porem brigam com quem menos pode alguma coisa: o cobrador e o motorista. Os últimos a falar e os primeiros a responderem pelo ocorrido. Já ouviu aquela frase: Manda quem pode, obedece quem tem conta para pagar?

Pois bem, a senhora chegou do interior de São Paulo, dizia ter viajado umas dez horas de trem e não estava para brincadeiras “a essa altura do campeonato” – palavras que ela pronunciava de modo forçado. Ela balançava o dedo em riste nervosamente dizendo que sabia que não tinha que pagar pela passagem.

Bem, para entender melhor o motivo da desavença. Vamos dissertar sobre o problema.

A velhinha – se é que podemos considerá-la assim – avistou o nosso grande veículo automóvel de transporte coletivo urbano e deu sinal, juntou seus pertences e esperou que a porta se abrisse para ela. Ela adentrou com um volume considerável de bagagem, o amistoso agente de bordo foi prontamente em socorro da recém-chegada à capital mineira.

Ela informou ao nosso amigo cobrador que desejava rodar a roleta, ele a ajudou com as malas e sacos, que eu fico imaginando o conteúdo da incomensurável bagagem para uma única viajante com idade superior a sessenta e cinco anos – aliás, essa era a causa da confusão: a idade.

Ela rodou a roleta. Acomodou a bagagem no canto da cadeira e reconfortou-se, na medida do possível, na beirada do que sobrou do banco. O nosso herói de bordo aproximou-se a fim de receber a importância relativa ao custo individual da viajem metropolitana, ela olhou-o com ar sinistro, abriu a bolsa e revelou o descontento, exibindo um portentoso RG:

– Eu não pago passagem, tenho setenta e três...

Alvoroço geral dentro do ônibus ante a exigência do cumprimento ao direito de gratuidade, um dia irá permitir que os idosos rodem a roleta ante algum tipo de “carteirada”. Um monte de passageiros já estava de pé para dar razão à nossa humilde turista, outros estavam apenas olhando a situação com um sorriso maquiavélico nos lábios sedentos de gargalhadas, mas ninguém se dignou a interromper a verborragia  pagando a passagem da dona, tive eu mesmo que dispor de duas passagens, a minha e a dela...

Por: Paulo Siuves

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