Sabedoria Popular: Redescobrindo a Riqueza da Língua do Povo com Geraldo Couto Filho


Quem se lembra do inesquecível Geraldo da "Escolinha do Professor Raimundo"? Aquele aluno peculiar, com suas respostas singelas e um jeito de enxergar o mundo que, por vezes, nos arrancava uma gostosa gargalhada, mas invariavelmente nos fazia pensar. Pois bem, ao me deparar com o livroSabedoria Popular Atropelando a Língua”, de Geraldo Couto Filho, uma curiosa faísca de familiaridade com esse personagem icônico se acendeu em minha mente. Certamente não pelo nome do autor coincidir com o do personagem, mas pela forma como ele desbrava o universo dos ditos populares: com uma leveza que desarma, um toque de humor que cria conexão e uma sabedoria intrínseca que facilita a absorção de ideias profundas sobre a natureza humana.

Presente generoso da minha terapeuta, a psicóloga Luciane Couto, esta obra singular nos convida a uma viagem informal e deliciosamente surpreendente pelos caminhos da nossa língua, revelando as histórias e os significados por trás daquelas expressões que brotam espontaneamente da "boca do povo".

Geraldo Couto Filho não nos entrega aqui uma gramática tradicional, daquelas que nos fazem temer as acentuações e conjunções. Pelo contrário, ele nos convida a uma imersão no léxico vivo e pulsante das ruas, dos lares, das conversas informais. “Sabedoria Popular Atropelando a Língua” se destaca por sua informalidade cativante, desvendando a riqueza da nossa comunicação cotidiana sem as amarras das regras normativas. É como se o autor nos guiasse por um passeio descontraído em um território linguístico familiar, mas repleto de surpresas e curiosidades.

E que riqueza! As páginas da obra transbordam com uma miríade de ditos populares, expressões idiomáticas e provérbios que fazem parte do nosso dia a dia, muitas vezes sem que paremos para refletir sobre suas origens e significados. O autor nos presenteia com uma verdadeira arqueologia da linguagem, desenterrando as histórias por trás de frases como “a cavalo dado não se olha os dentes”, “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”, entre tantas outras que enriquecem a nossa comunicação cotidiana.

Essa coletânea não é apenas um inventário de palavras, mas um retrato vivo da nossa cultura, dos nossos valores e da nossa forma peculiar de entender o mundo.

É fascinante acompanhar a forma como Geraldo Couto Filho explora cada expressão, oferecendo ao leitor não apenas seu significado literal, mas também possíveis origens históricas, interpretações culturais e até variações regionais. Por vezes, ele inclui paralelos em outros idiomas. Essa abordagem multifacetada transforma a leitura em uma experiência de aprendizado enriquecedora e surpreendente.

Por trás dessa aparente informalidade reside um trabalho de pesquisa notável. Couto Filho dedicou mais de duas décadas à coleta dessas pérolas da linguagem popular, como ele mesmo revela nas “Considerações Iniciais”. Sua busca incansável o levou a ouvir atentamente as conversas do dia a dia, vasculhar jornais e revistas, assistir a novelas e programas de televisão, escutar rádio e músicas, além de mergulhar em filmes e séries. Essa imersão profunda na cultura popular confere ao livro uma autenticidade palpável.

A estrutura da obra também merece destaque. O autor organiza o material de forma inteligente, muitas vezes explorando a origem histórica das expressões (sob a simbologia “H:”), conectando-as a outras frases de sentido semelhante (“FR:”) e ainda oferecendo um recurso moderno e prático: um QR Code que expande o universo das expressões abordadas.

Essa organização permite ao leitor tanto uma leitura linear quanto uma consulta específica, tornando o livro um valioso instrumento de aprendizado e curiosidade.

A visão do advogado criminalista e poeta Jair Batista Gomes, presente no posfácio, enriquece ainda mais a apreciação da obra. Ele destaca a aparente “agressão” dos ditos populares às normas gramaticais, mas celebra a “grandiosa riqueza” que essas expressões trazem ao folclore, à história e aos ensinamentos da nossa cultura.

Gomes traça um paralelo interessante entre a sabedoria popular, que ele associa a algo divino e intuitivo, e a gramática, vista como uma construção humana e formal. Essa perspectiva valoriza a autenticidade e a força da linguagem que emerge do povo, convidando o leitor a uma reflexão sobre o valor do saber popular em contraposição às regras estritas da norma culta.


Para mim, a leitura de “Sabedoria Popular Atropelando a Língua” foi uma jornada de redescoberta e aprendizado. Mesmo tendo transitado pelo universo da Linguística durante a faculdade de Letras, revisitar esses ditos populares — muitos deles trazidos à luz pelo autor, pai da minha terapeuta — foi como reencontrar velhos conhecidos: relembrando significados por vezes esquecidos e, surpreendentemente, descobrindo novas pérolas da nossa cultura.

O livro teve o poder de reacender a curiosidade sobre a riqueza que reside em cada uma dessas expressões, transformando frases corriqueiras em fascinantes janelas para a história e a sabedoria popular.

A leveza da escrita, permeada por lampejos de humor, torna a leitura agradável e acessível a todos — desde estudiosos da linguagem até aqueles que simplesmente apreciam uma boa conversa e um bom sorriso. A analogia inicial com o personagem da “Escolinha do Professor Raimundo” se mostrou ainda mais pertinente ao longo da leitura. Há, nesta obra, um quê de simplicidade sagaz — uma forma de transmitir ensinamentos profundos por meio de uma linguagem direta e popular. É como se o autor, a exemplo do nosso saudoso Geraldo, tivesse a capacidade de nos fazer rir e pensar ao mesmo tempo.

Em suma, “Sabedoria Popular Atropelando a Língua” se apresenta como uma fascinante “gramática informal” da nossa cultura, desvendando a riqueza e a história por trás das expressões que usamos no dia a dia. Longe de ser apenas uma coletânea de curiosidades linguísticas, esta obra de Geraldo Couto Filho se revela um achado valioso para os amantes da Linguística e um manancial de informações para diversas áreas de pesquisa.

Historiadores podem explorar suas páginas em busca do contexto de diferentes períodos e culturas refletidos na linguagem popular. Etimologistas encontrarão um terreno fértil para investigar a origem e a evolução de palavras e frases. Linguistas poderão analisar as variações da língua e o impacto da oralidade. Até mesmo estudiosos da gramática tradicional terão a oportunidade de observar as relações e divergências entre a norma culta e o uso popular. 

E, para os interessados em cultura popular, o livro é um retrato vívido dos valores, crenças e práticas de diferentes comunidades.

Além disso, o potencial desta obra se estende a pesquisas em Sociolinguística, Antropologia Cultural e Educação, oferecendo insights sobre como a linguagem popular pode ser utilizada como ferramenta pedagógica engajadora e relevante.

Portanto, “Sabedoria Popular Atropelando a Língua” é uma leitura que diverte, ensina e, acima de tudo, convida a um olhar mais atento e apreciativo para a sabedoria que reside na nossa própria maneira de falar. Uma obra que, ao atropelar as regras formais, acerta em cheio no coração da nossa identidade linguística e cultural, abrindo um leque de possibilidades para a exploração e o aprendizado.

Comentários

  1. Nobre escritor. Com lágrimas nos olhos, coração transbordando de gratidão, recebo grandiosa Resenha. Somente Deus o recompensará. Obrigado e obrigado!

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