IMPÉRIO DO BARULHO


 
Façam barulho. O som reinará. O império do barulho acaba de ser estabelecido e não há como escapar do seu reinado ensurdecedor, não deixem o ruído cessar, provoquem uma sequência de estrondos, não parem de zoar. Suscitem vários estrépitos e que estejam em todas as esquinas de cada bairro, todos os dias e todas as noites, o som deve dominar as ruas, as casas e os espaços públicos. Os hospitais e as salas de reuniões são os únicos lugares que ainda tentam manter o silêncio, mas são constantemente invadidos por barulhentos protestos dos cidadãos que exigem seu direito de fazer barulho em qualquer lugar. O silêncio nunca mais será ouvido.

Deixem soltas as crianças nos jardins, elas serão especialmente incentivadas a fazerem o máximo de barulho possível, e os adolescentes nas escolas, que façam o que sabem fazer, berrem, eles sabem berrar, as escolas se tornam verdadeiros campos de treinamento de decibéis. O som das buzinas e apitos são constantes, misturados com as vozes estridentes dos professores que tentam competir com o barulho ao seu redor. Aah! O comércio. Que o comércio seja tomado pela efervescência sonora, com músicas e anúncios ensurdecedores sendo tocados em todas as lojas e mercados em efervescente fragor.  Que as fábricas produzam alto-falantes potentes para o batido de ostentação, serão alto-falantes poderosos que serão espalhados por toda a cidade, garantindo que ninguém possa escapar do barulho, e os carros serão equipados com sirenes que não param de tocar.

As ruas estarão sempre cheias de pessoas berrando e tocando instrumentos, e que os cidadãos sejam encorajados a fazer barulho a todo momento, seja gritando, tocando instrumentos, dançando sem ritmos ou produzindo ruídos com objetos que encontram pelo caminho. Que haja rumores inexpressivos em todo canto, em toda música, que cada banda, e cada conjunto toque instrumentos percussivos reverberando sem preocupar com ritmos, cadências e compassos sonoros. Ouçam! Que lindo clangor, participem dessa algazarra, desse maldito escarcéu, dessa santa indecente balbúrdia, é preciso manter a agitação nas ruas. Venham para o meio do alvoroço.

Ao fim de um ano do império do barulho, as pessoas já estarão exaustas e sofrendo com problemas de audição. Mas o governo deve insistir que o barulho é uma forma de liberdade de expressão e deve encorajar ainda mais a zoada. Ninguém vai conseguir se concentrar, dormir ou trabalhar em paz. O império do barulho se tornará um verdadeiro inferno sonoro. Ainda que, após uma década de barulho ininterrupto, muitos já comecem a se revoltar e a exigir que o governo acabe com essa insanidade, as forças de segurança serão ágeis e reprimirão qualquer forma de protesto, usando bombas de efeito moral e canhões sonoros para controlar as multidões. Nas avenidas, mancebos licenciosos avançarão desordenados, desorientados por decreto do tirânico Insurreto.

O império do Barulho vai durar por cem anos e as crianças e os velhos dançarão ao som das tempestades ruidosas, as pessoas se esquecerão de como era o silêncio. O som será louvado na terra e no mar. Nas festas dos jovens, as bombas de gás lacrimogêneo serão sucesso garantido. Aparelhos de rádio e televisão transmitirão em todo o tempo a luta do monstro do abismo contra as testemunhas do apocalipse. Cidadãos do mundo inteiro olharão para os mortos e não deixarão que sejam sepultados. Crianças e adultos farão folguedos mascarados durante o velório mais longo que se tem notícia, juntos, durante o império do barulho, vão comemorar e mandar presentes uns aos outros celebrando um velório que não tem fim. Ao fim do período de seu império, todos ouvirão uma voz forte, vinda do céu que lhes dirá: venham! Não parem de zoar.

Todos deverão ir para as janelas de seus apartamentos, soprarão em buzinas, baterão em panelas, e em tudo mais que se pode produzir som. Elas gritarão sem saber o que dizem. Um século sob o governo do barulho. O reino estrondoso terá início. O verbo se fará ouvir, mas ninguém lhe dará audiências, todos poderão falar ao mesmo tempo, isso não será mais sinônimo de indelicadeza nem se dará por inoportuno. O reino inteiro estará sob estrepitoso período. Uns farão tumulto, outros, farão tropel... não parem a zoada, não parem o estrépito, não parem esse maldito escarcéu, não parem por nada. Quer seja dia ou noite, alcem todo e descontrolado vozerio, mesmo que, no fundo, todos saibam que o barulho é uma forma de opressão e que é preciso encontrar uma maneira de acabar com esse pesadelo sonoro. Por cem anos estaremos sob o Império do Barulho...

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