Dança na Última Caçambada
Essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fato real é mera coincidência. Carlos Drummond de Andrade, com aquele seu olhar atento para o banal que vira poesia, já relatou a infinidade de pernas dentro de um bonde — e a variedade delas, refletindo sobre quantas histórias cabem num espaço tão pequeno. “Para que tanta perna, meu Deus?” é o verso dele, lá no Poema de Sete Faces, que sempre me vem à cabeça quando entro num coletivo urbano. A gente raramente se dá conta do drama silencioso da pessoa sentada ao nosso lado. E também há o bordão que circula pelos cobradores: “Tudo é passageiro, menos o cobrador e o motorista.” Pensando nessas duas verdades, lembrei-me da história que ouvi de uma ex-cobradora, hoje chamada com pompa de agente de bordo. Ela me contou que, numa noite de desespero psicológico, voltavam para a garagem depois das várias “caçambadas”. A féria já estava contada e registrada, tudo dentro dos conformes. Ela ligou o radinho de pilha, acendeu um cigarro e, enquanto...