Abelhas falecidas
Ficção - Por Paulo Siuves
Abelhas falecidas
Ontem eu tive de sair mais cedo do trabalho contra minha vontade, graças ao ataque de um bichinho que deu muito trabalho, ou melhor, uma colônia deles. As abelhas africanas, assanhadas por um mecânico de elevadores desprevenido, começaram a atacar as pessoas, tinha mulher gritando, homem parecendo mulher, tinha até um cara que parecia mais forte que o fumacê dos bombeiros civis treinados para enfrentar esse tipo de situação, mas na hora do “vamovê” arriou as quatro rodas defronte dos bichinhos que não desanimaram diante do veneno, nem das fumaças que usaram pra enfrentar o ataque. O prédio fica no centro da cidade, bem na praça Sete de Setembro, vulgarmente chamada de Praça Sete, em Belo Horizonte, capital das Minas Gerais, minha cidade querida.
Pois bem, Naquele momento tudo era euforia e festa. Mandados pra casa
no meio da tarde, sem prejuízo no salário!?! Era bom demais pra ser verdade. Eu
mesmo fui pra uma happy hour
legal. Eu e mais três amigos fomos pra um bar que fica na avenida Augusto de
Lima, algumas quadras distantes do prédio onde trabalho. As meninas preferiram
ir de ônibus, obviamente, tomaram um circular e desceram na porta do bar
escolhido e nos ligaram no celular para tirar onda.
Chegamos e logo pedimos uma cerveja para “esfriar o radiador”, me dei
conta de que, diante da euforia de ir embora (contra minha vontade, eu já
disse) mais cedo, não tinha certeza de que desliguei o meu computador. Mas,
tudo seria salvo no servidor central do escritório e não tinha problema, a não
ser que alguém desligasse a energia do prédio todo. Aí teria de confiar no
nobreak. Meu amigo pediu um bolinho de feijão que era a especialidade da casa:
Bolinho de feijão com hortelã, uma verdadeira delicia com a cerveja estupidamente
gelada então, era o petisco perfeito para aquela tarde de folga inusitada. Um
brinde às abelhas.
Pedimos uma porção deles e uma outra porção de peixe a dorê com aquele
molho rosê feito de “sei lá o quê”
misturado com “aquilo tudo” que fica
um tanto quanto bom.
Pra variar, exagerei na porção de feijão e achei melhor parar um pouco
e comer o peixe que parecia delicioso, mas o molho, sei lá, eu deveria ter
evitado. Ainda mais que fazia tempos que não comia peixe. Então parei de comer
e fiquei na cerveja até a hora de ir embora. O resultado foi explosivo. No dia
seguinte não tive muita ressaca, nem senti nada daquilo que sempre sinto quando
bebo além do meu limite, e olha que fiquei tonto de verdade. Parecia um mau
presságio. Algo estava fora do normal e as conseqüências seriam desastrosas. Mais
de duas dúzias de cervejas foram esvaziadas copo a copo pelo quarteto
fantástico que recebeu folga excepcional numa tarde de quinta feira.
Acordei e, após a higienização pessoal matinal cotidiana e rotineira, tomei
uma aspirina e coloquei um remédio para acabar como os gases no bolso do paletó
pra não esquecer. Tomei água, muita água, tomei o café com torradas, foi o que
desceu naquela manhã pela garganta. Fui ao banheiro espremer o intestino e
tomar banho. Que coisa, só gases... Parecia um aviso.
Cheguei ao escritório, meus parceiros de bebedeira da noite
anterior estavam firmes e prontos pra outra, o contrário de mim, que
era a derrota em pessoa. Todo estufado. Um tambor ambulante feito de gás metano
pronto para explodir o prédio inteiro. Fiquei ansioso para a hora do almoço e
sair dali para me aliviar na rua, uma caminhada certamente me faria bem. Cinco
minutos antes do horário do almoço, tomei o remédio contra gases e me dirigi
para o elevador. Minha testa estava minando uma água que não parecia suor,
tamanha era a abundância.
Mal a porta de ferro metálica se abriu eu me joguei no cubículo do
transporte vertical interno, a minha barriga dançava feito gelatina. Estufada
feito um balão pronto para estourar, me contorcia de dores, mas sabia que era
uma dor de barriga seca, cheia de nada, pois já havia estado no banheiro
algumas vezes pra tentar solucionar o problema e a única coisa que acontecia
eram alguns estrondos, e nada de conteúdo. Mas um nada muito fétido. Entrei no
cubículo metálico e a porta me fechou na minha solidão. Coloquei as mãos na
parede e deixei o problema se resolver. Um sonoro pum ecoou no fosso do
elevador, parecia que descia e subia como um trovão que ressoa nas paredes dos
prédios da Praça Sete fazendo toda chuvinha ter o som de uma violenta
tempestade. Dois andares abaixo as portas se abrem dando passagem para um cara
do escritório de contabilidade, ele entrou e não conseguiu reprimir a expressão
de incredulidade diante de um fedor tão exuberantemente forte.
– Nossa Senhora Mãe de Deus! Que mau cheiro é esse??? – disse ele com
os olhos arregalados e a mão esquerda sobre a face.
– Isso, meu amigo, é o veneno
contra o enxame de abelhas de ontem. Isso fede que uma tristeza. – disse eu com
a face ruborizada e quente, mas com uma parcimônia inacreditável. O espírito
de baixou em mim e comecei a encenação
mais cara-de-pau da minha vida. Nunca acreditei que poderia mentir com tamanha
desfaçatez a ponto de convencer o meu companheiro naquela curta viagem.
– Minha nossa! Mas é tão fedido assim? – dizia ele agora balançando a
pasta que trazia na mão direita afim de espantar um pouco o problema pra mais
longe um pouco.
– Isso porque as abelhas morreram ontem, você vai ver daqui a uns três
ou quatro dias. O mau cheiro que isso vai exalar. Elas morreram e foram direto
para o fosso do elevador.
– Pior que você deve ter razão. Sem forças pra voar ... – ele olhava
par ao teto do elevador e parecia ver as abelhas voando no seu derradeiro
zumbido, agonizando e perdendo altitude, caindo para o vazio do fosso entre os
cabos de aço do elevador.
– Pois é, parceiro. O mau cheiro tende a piorar. – agora eu não
conseguia mais encarar o pobre coitado que dividia o mau cheiro que saia de mim
para o compartimento de tele transporte vertical do prédio.
– Ontem eu não vim ao escritório, o negocio tava feio aqui, né?
– Com certeza. Tinha abelha por todos os lados, mulheres gritando e
uns caras se revelando feitos mocinhas... – me lembrei especialmente do
Ferreira que abanava as mãos sobre a cabeça a fim de evitar o ataque
ensandecido das abelhas, mas o que ele conseguia era atrair a atenção delas
para ele e ele pulava e abaixava-se a o mesmo tempo, e rebolava feito dançarina
baiana disputando vaga em grupo de axé.
Eu não podia acreditar em mim mesmo, na minha cara de pau em pôr a
culpa nas falecidas abelhas, mas era o que eu pude lembrar na hora. A única
válvula de escape do momento de sufoco avergonhado. Fiquei imaginando se
tivesse entrado uma dama, uma senhorita daquelas que fazem os olhos brilharem,
sei lá, acho que eu teria pedido pra morrer.
Mas, meu companheiro de elevador não imaginava que o mau cheiro não
acabava porque alguns pequenos puns retardatários estavam sendo liberados por
mim sem que eu mesmo pudesse fazer alguma coisa pra impedir.
– Cara, acho que vou descer alguns andares pelas escadas. O mau cheiro
ta terrível.
– Você tem razão, eu também vou. Se bem que estamos praticamente no
fim da viagem...
Quando eu disse isso ele apertou o botão do terceiro andar, mas esse
passou direto. Desesperado ele apertou o botão do primeiro andar, do pilotis e
da garagem de uma vez. O elevador parou no primeiro andar e ele desembarcou.
– Vou continuar. Vai ser melhor pra mim e minhas narinas não estão
muito boas por causa de um resfriado fora de época.
– Boa viagem... – as portas se
fecharam com meu ex-companheiro de viagem do lado de fora.
Eu não podia rir enquanto ele estava lá, mas assim que a porta me
tirou do campo de visão dele, eu comecei a rir, soltar pum e rir, rir e soltar
pum. Dentro do elevador o mau cheiro continuava até chegar ao térreo e abrir as
portas para mim.
Imaginei que devia haver um pequeno grupo esperando a vez de embarcar
naquela nave do terror olfativo. O jeito era continuar a farsa até deixar o
prédio. As portas se abriram no térreo e eu fingi estar tonto com o mau cheiro
e xinguei um imaginário Zé-Ninguém que soltou o pum no elevador e que descera
no andar da garagem como se fosse a maior e inabalável verdade. Ainda disse
para as pessoas não entrarem naquela fossa aberta que o homem mais imundo do
prédio fez converter, bradei uns xingamentos e dirigi-me à saída do prédio
triunfante por não ter sido pego e ainda estar mais aliviado das dores...
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