Bagulho no Bumba
Essa é uma obra de ficção.
Qualquer semelhança com fato real
é mera coincidência.
– Pense duas vezes antes de tomar uma atitude gentil ao se
oferecer para levar a bagagem de quem estiver em pé perto do banco onde você
estiver assentado dentro do ônibus. (Risos)
Esse era o conselho do meu amigo agente de bordo lembrando
um caso ocorrido durante um turno de trabalho, dizia ser a “beiça”, mas não
tinha muita certeza. Talvez fosse a “boa” de uma “caçambada” noturna, o certo é
que havia uns “pilas” na viagem, uma viagem naquela hora cabia cento e vinte ou
cento e trinta pessoa na roleta, com certeza estavam de olho na feria da
viagem...
Você deve estar pensando que diabos significam essas
palavras aí em cima, não é? Bom, vamos classificar as palavras pra você
entender melhor a história.
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Agente de bordo é o mesmo que cobrador, ou trocador, tudo
nome da mesma pessoa.
Beiça é a ultima viagem noturna, quem pega essa viagem
sempre faz beiço.
A Boa é a ultima viagem do turno, a hora de voltar pra
garagem.
Bumba é a forma carinhosa que alguns jovens usam para dar
nome ao ônibus em suas gírias.
Caçambada é cada uma das viagens feita de final a final,
são quatro, cinco ou seis depende do trajeto se for curta conta de duas em
duas.
Voltando a nossa história. O meu amigo
cobrador relatava as dificuldades de se trabalhar tão tarde e que não era raro
ter dentro do salão alguém com mercadorias impensadas. Algumas vezes a Policia
Militar faz buscas nas bagagens dos passageiros, os ônibus escolhidos são
aleatórios mesmo, tipo sorteio, não dá pra fiscalizar e policiar todos os
coletivos metropolitanos ao mesmo tempo, por isso o sorteio, porem, todos os
carros parados são minuciosamente revistados, passageiro a passageiro, bolsa
por bolsa, cada bagagem de porte ou portátil é aberta e revistada
cuidadosamente em busca de algo comprovadamente ilícito como armas ou drogas.
No tempo em que eu era criança, era a tal canabis sativa, ou maconha que tinha
de ser pronunciada baixinho para não chamar a atenção de vizinhos... Bons
tempos!
Deixando o saudosismo de lado, o meu amigo
agente de bordo buscava na lembrança os factos ocorridos naquela noite:
Era uma noite estrelada e quente, havia
muita gente naquela caçambada e isso era atípico. Uma mulher morena de estatura
mediana passou pela roleta, com uma sacola de compras, rapidamente e sem pedir
ajuda. Foi buscar lugar para se assentar, e não havia. Um cavalheiro
ofereceu-lhe seu lugar, ela rejeitou e preferiu continuar de pé. Outro rapaz
encantado pela sua beleza rústica também se prontificou a viajar em pé
cedendo-a seu lugar:
– Muito obrigada, estou bem em pé mesmo. –
respondeu ela meio sem graça.
Outro moço mais ao fundo com cara de
estudante universitário, cheio de autoconfiança também a abordou:
– Sente-se aqui, morena, fique à
vontade...
Ao que ela recusou:
– Gente, tô bem, sério mesmo. Mas se o
senhor quiser levar minha sacola...
E o nosso mais fiel passageiro, que estava
naquela viajem toda noite indo para o trabalho, foi o contemplado em poder ser
útil para aquela morena bonita de aspecto pueril, de roupas sem marcas de grife,
sem ostentação.
Nesse momento a polícia aborda o ônibus e,
com voz de ordem, anuncia:
– Batida policial, por favor, colaborem!
Três ou quatro policiais iniciam a revista
começando pela dianteira, enquanto outro policial com cara de comandante ordena
ao motorista que lhe franqueie a porta traseira. Antes de ele acabar de falar a
porta soou seu chiado característico de abertura ou fechamento. “tchiiiiiiii”.
O comandante apressou-se para lá antes que mais alguns deixassem o salão do
coletivo. Revista daqui, abre bolsa de lá, pergunta isso e mais aquilo: “- pra
onde você vai?” “- Pro trabalho!” Responde alguém. “_ De onde veio isso?” “- Do
mercado central, é pra fazer uma raizada!” responde uma senhora muito
simplória. E a vez do nosso colega de viagem vai se aproximando, ele repara nos
policiais e na truculência com que abordam alguns mais exaltados. Olha pra trás
e vê alguns gesticulando apreensivos com suas bagagens junto ao corpo, e chega sua
vez. Ele avisa para o policial que o aborda que ele possui um canivete que usa
no trabalho pra descascar uma fruta e cortar fumo:
– O que tem na sacola? –pergunta o
polícia.
– Ah! É daquela morena ali... – ele olha
em volta em busca da morena e não a vê mais.
– E o que tem dentro? – insisti o
policial.
– Eu não sei. Não é minha. É de uma morena
bonita que estava aqui nesse momento. Espere ela deve estar aqui em algum
lugar.
– Moço, eu quero saber o que tem dentro.
Entendeu minha pergunta? Abra a sacola, por favor, senão vou ter de prender o
senhor por obstruir o trabalho da polícia.
– Pode olhar, mas seja lá o que for não é
meu, é da senhorita...
Ele é interrompido com um alto brado
policial dirigido aos seus colegas:
– Suspeito portando entorpecentes!
Alvoroço total dentro do ônibus e muita
gente de pé para ver o conteúdo da sacola e o tal do suspeito portador. Uma a
pequena algazarra precisou ser contida pelos policiais e o nosso amigo
trabalhador honesto, pai de família, foi encontrado transportando um bagulho no
bumba. Ele teve de ir explicar ao delegado o que era aquilo, de quem era e pra
onde estava levando...
Por isso que o meu amigo Cobrador disse
categoricamente:
– Pense duas vezes antes de tomar uma atitude gentil ao se
oferecer para levar a bagagem de quem estiver em pé perto do banco onde você
estiver assentado dentro do ônibus. (Risos)
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