História de Ônibus

Caraminguás

Essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fato real é mera coincidência.

Olhei para frente e vi o agente de bordo (nome “científico” do trocador ou cobrador de ônibus) tentando se mostrar calmo e sereno, um passageiro estacionado resfolegadamente na catraca tentando entregar uma cédula de dinheiro grande, algumas pessoas olhando para ambos aguardando a vez de rodar a catraca e procurar outro luar para prosseguir viagem de modo mais confortável .

O cobrador recusava aceitar aquela nota alegando que não tinha dinheiro suficiente para entregar o troco. O cliente do patrão olhava com um sorriso cínico para o trabalhador e todos olhavam para os dois.

- Não tem troco. Aguarda um pouco aí na frente.

- Meu ponto tá chegando, eu não posso ficar aqui te esperando não, meu amigo.

- É que pra esse valor, a empresa não é obrigada a ter troco.

A lei do troco, em Beagá, determina que o cliente não fica obrigado ao pagamento da passagem quando não lhe for fornecido o troco devido, desde que o valor dado em pagamento não exceda a dez vezes o preço da tarifa da linha respectiva, isso é uma lei municipal da década de noventa.

- Não custa entender o que diz e cumprir, - dizia o colaborador da empresa de circulação e transporte de pessoas.

- O direito é direito. Errado é você querer me barrar aqui. - Afirmou o passageiro com categoria. porém o argumento do nosso amigo cobrador ponderava ao passageiro;

- O direito só lhe assiste quando lhe convém...

- Por acaso você ‘tá insinuando que eu sou oportunista? –

– Ô, meu amigo, eu não tenho o valor correspondente ao troco da passagem para uma cédula de valor acima da que a lei propõe. – e o passageiro que precisava descer do ônibus, ficou revoltado ao ter seu dinheiro recusado pelo cobrador.

Sem sucesso na conversa, o passageiro decidiu pular a catraca criando uma confusão generalizada dentro do ônibus. Enquanto o passageiro ameaçava pulava a catraca, o cobrador ameaçava segurá-lo pela camisa, dando início a uma discussão bem acalorada dentro do coletivo.

- Você não vai pular a roleta não! – Disse o cobrador

- Eu terei de pular, você fica aí chorando por causa de uns caraminguás à toa!? – Disse o passageiro provocando a ira do agente de bordo.

- Como é que é? – respondeu o agente de bordo erguendo-se na sua cadeira - Por acaso você está insinuando que eu sou gay? Chorando por causa de cara o quê?

- Vixi! Caraminguás... – repetiu o passageiro provocando o cobrador - Tutaméia...

- Olha aqui, seu folgado, se você não retirar isso que disse, eu pulo da minha cadeira e te quebro a cara! – Respondeu o trabalhador demonstrando completo descontrole diante da humilhação verborrágica. O rapaz, com o dinheiro na mão, sorria com a provocação feita. E alguns jovens que estavam em grupo faziam coro como em escola infantil na hora da briga no pátio. “Briga! Briga! Briga! Briga!...” Eu olhava a cena e não sabia se ria dos jovens, ou se intervinha em favor do meu amigo cobrador que certamente não conhecia Guimarães Rosa.

Como o dinheiro já estava deixando de ser o motivo da discussão, que aliás parecia descambar para as vias de fato, alguém atrás de mim iniciou o lançamento de lenha na fornalha:

- Aposto que esse cobrador é eleitor do Mito! Que ridículo! – e o trocador ouviu o comentário e resolveu responder, para quê, eu não sei:

- Eu que não sou obrigado a dizer em quem eu votei. Mas, pra sua informação, não voto em presidiário... o contrário desse passageiro que está querendo pular a roleta. – Disse o cobrador, visivelmente transtornado, encarando o passageiro.

E o impasse prosseguia, assim como a viagem. Pula, não pula, o ônibus chegou ao meu destino e eu desembarquei inevitavelmente no meu destino. Fiquei sem saber que consequências físicas e outras teve aquela discussão político-afetiva.

Comentários

  1. Olá amigo. Salve a poesia ! Parabéns pelo seu trabalho literário e musical.

    Sou de Recife , também músico, compositor, violonista e cantor.

    Sucesso. Abraços

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