Tudo Tem Dois Lados
Acordei
com a mais forte sensação de que preciso trabalhar em outra área que não seja
da segurança pública. Quero acordar com a tranquilidade de que não estou saindo
de casa com um alvo desenhado nas minhas costas. Ser policial é viver com essa
mórbida sensação, de que algo horrível pode acontecer simplesmente porque esse
profissional quer desempenhar bem sua missão, e trabalhar corretamente é pescar
um inimigo público por dia, há dias que a pescaria rende mais do que o esperado
e o número de inimigos cresce. De qualquer jeito, o "polícia" é uma persona non grata em nossa
sociedade.
Eu
pensei "poxa! Sou escritor, posso prestar um concurso para trabalhar em alguma
coisa que posso aproveitar esse dom". Meus textos não são lá grandes coisas,
mas as pessoas aprovam. Meto-me a escrever uns contos, dou umas canetadas em
alguns poemas, já fiz duetos com outros poetas, tenho até um blog... As pessoas
gostam das coisas que escrevi, por causa desses textos em prosa e em versos,
ganhei alguns prêmios. Dois desses prêmios são internacionais. Nesse ano, 2019,
fui cotado para duas situações; fui indicado para constar entre os melhores
poetas do ano, premiação que acontecerá no próximo ano, nos Estados Unidos, e
também para ser membro da Academia de Letras João Guimarães Rosa, da PMMG. Não
passei em nenhuma das duas indicações, mas, sinceramente, sinto-me mega
presenteado por ter meu nome circulando por essas paragens culturais, diante
disso, me ponho a pensar; não é possível que nada disso possa servir para que
eu concorra a uma vaga no mercado de atividades culturais.
Fato
é que, cogitei várias vezes prestar outro concurso ou ir para a iniciativa
privada, trabalhar sem fabricar inimigos todos os dias. Vida de escritor é uma
vida rara; escritor de verdade não liga para ganhar dinheiro com seus produtos,
ele pega a sua "caneta azul" (azul caneta tá marcada com minhas letra)
e escreve, visceral e compulsivamente. Talvez minha relutância em me assumir
como escritor seja pelo fato de que eu tenho períodos de 'entressafra' e não
escrevo o tempo todo. Tenho amigos que escrevem religiosamente todos os dias,
escrevem como almoçam e jantam, escrevem como se suas vidas dependesse disso, algumas
vezes sinto esses rompantes, noutras, passo um longo período sem produzir um
verso que preste. No entanto, quando a hora de escrever vem... Amigo! Escrevo
todo tipo de forma literária, componho sonetos, escrevo contos, faço resenhas,
ate as provas na facul se tornam mini teses. Por isso penso reiteradamente
em me lançar a novos desafios.
Porém,
como toda moeda tem dois lados... ontem, vivi uma situação em que devo
agradecer a Deus por ser Guarda Civil Municipal. Presenciei um acidente de
trânsito, um jovem de aproximadamente 25 anos, e uma mulher bem mais velha que
ele, se envolveram num abalroamento sem muita gravidade. O jovem, essa nossa
juventude temperamental, desembarcou de seu veículo aos berros, ultrapassando
todos os limites do convívio racional em sociedade. Ele dizia que a senhora
havia batido nele, nesse momento, tive que intervir, afinal, sou servidor
público, fardado ou não.
Façamos
aqui uma digressão necessária. Estamos vivendo uma época em que as pessoas
valorizam demais as coisas, hoje em dia damos importância maior ao
"ter" do que ao "ser". Estamos materialistas num nível
estarrecedor! Olha a situação dessa discussão em que os carros colidiram
causando pequenos estragos, o jovem desce do carro afirmando que a outra pessoa
bateu 'nele'! Não foi nele, foi no carro dele... Voltemos ao contexto.
Desembarquei
da minha moto e fui em direção à contenda com intenção de trazer o rapaz à
realidade, a mulher estava muito nervosa e em choque, ela não esboçava reação
alguma ante ao ataque do rapaz que crescia cada vez mais pra cima dela. Comecei
a mediação tentando conversar, mas ele não queria conversas, queria soluções
mágicas. Aumentei minha postura para me impor diante dele, ele inflou ainda mais
o peito para continuar seu discurso ofensivo e injurioso destinado a ofender à
outra vítima, e eu, postado firmemente entre os dois, perguntei pra ele o que
mudaria se eu fosse parente dela; filho, ou marido, ou irmão, se tivesse
qualquer grau de parentesco com ela, se ele iria parar de ofender a mulher. Ele
ergueu as mãos na altura do meu peito e gritou: Fodas. Então saquei minha
carteira e deixei minha arma à mostra e, com a identidade no rosto dele,
perguntei: E se eu for policia? Ele arregalou os olhos, diminuiu até a altura
dos pneus dos carros e disse: Aí eu perdi! A partir desse momento pudemos
conversar civilizadamente e pude conciliar uma solução amigável. E se eu não
fosse um "Polícia Municipal"? Ser guarda civil tem seu lado
bom. Mas ser escritor é muito bom...
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