O treinador – Parte 3

 

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O TREINADOR – Parte 3

Paulo Siuves e Toni Ramos Gonçalves

Um homem totalmente nu estava deitado sobre uma mesa de inox ao abrir os olhos ainda sonolentos, tentando entender o que acontecia. Percebeu que o local estava todo revestido de plástico transparente. Tentou falar algo e não conseguiu, a boca não se abria, pois, a tinha costurada, mas isso ele não sabia. Tinha os punhos presos por uma correia de couro junto à mesa. Cintos prendiam seu corpo na altura da barriga e dos joelhos.

Com a visão embaçada viu a aproximação de Galdino, que usava uma capa de chuva, além de uma máscara Shields protegendo-lhe o rosto. Por um momento enxergou com nitidez os olhos frios e mortos que o fitavam. Tentou reagir, fugir, mas o corpo não lhe respondia. Galdino se posicionou diante das pernas do homem nu. Entre elas, colocou um pedaço de madeira separando as canelas do prisioneiro, que levantou a cabeça buscando enxergar o que estava prestes a acontecer. Seus olhos tremularam em desespero. Ele inutilmente tentou gritar, porém ouviam-se apenas os seus gemidos desesperados ao perceber a marreta de cinco quilos na mão de seu agressor, que sorriu quando deu o primeiro golpe.

A perna direita torceu facilmente para o lado interno do corpo. No segundo golpe, na perna esquerda, o agressor excedeu um pouco mais na força, o que provocou uma fratura exposta. O homem nu se contorceu até perder os sentidos. A urina e restos de fezes que escorreram se misturaram ao sangue, que se acumulava na mesa. Galdino aprendera aquela tortura ao assistir o filme Louca Obsessão, onde a personagem Misery, interpretada por Kathy Bates, quebrava as pernas de seu autor favorito logo após uma tentativa de fuga.  Antes prevenir do que remediar, pensava Galdino enquanto colocava o dedo na ponta de osso lascado que emergira da perna.

***

Todo aquele mistério envolvendo a traição de Raquel começou a ser desvendado, quando Galdino soube do inusitado pedido de desligamento de Hugo do clube antes mesmo dos jogos finais. Tudo levava a crer que a traição era fruto de uma grande mentira. O ex-diretor anunciou que seria o novo empresário do goleiro e zagueiro, destaques do time, e seriam vendidos por uma fortuna para o futebol europeu. A venda dos craques lhe renderia uma ótima comissão. Nos meses anteriores, Galdino investigou a vida de Raquel minuciosamente e não conseguira nenhuma evidência que comprovasse sua traição. Até os suspeitos quando investigados, descobriu-se que seria impossível qualquer relação amorosa entre eles. E tudo levava a uma direção. O sucesso do time no campeonato traria bons negócios para o então amigo. Por isso ele se preocupava com seu retorno ao trabalho. Somente Hugo sabia a fragilidade que a ausência de Raquel provocava nele. Bastava cutucar com ferro quente a ferida mais dolorida. Quando há traição, todo homem vira uma fera.

E quando Hugo caminhava em sua direção com aquele sorriso falso, sua mão tremia de ódio mudo enquanto bebia um copo d’agua. E se fosse ele o amante?

***

Quando a raiva alcança um extremo, ou vira homicídio ou silêncio. Galdino sentia uma raiva lhe consumindo vagarosamente, desde então. Viveu aqueles últimos meses, atormentado pela dúvida, repleto de ódio. Tudo baseado em mentiras, que ganharam contornos de realidade e que ele, como um verdadeiro idiota, passou a acreditar.

Quando ainda existia a dúvida da traição, buscou nos livros, filmes e series de TV informações que orientariam numa possível vingança. Dexter e C.S.I eram as favoritas. Com toda eficiência da polícia científica nas soluções de crimes, varava as madrugadas buscando entender cada detalhe para não errar e cometer o crime perfeito. Tornou-se fã de Stephen King e Edgar Alan Poe. Então, para cometer o crime perfeito precisava agir rápido. Em pouco mais de vinte dias, Hugo embarcaria para Europa para fechar os contratos dos jogadores.

A primeira ação do plano foi comprar um carro usado, bem antigo. Depois pesquisou as estradas de acesso para o aeroporto na capital. Deveria evitar qualquer uma que utilizasse câmeras de tráfego e contar com a sorte para que nenhuma pessoa o filmasse acidentalmente por um celular, este que por sinal deveria ser evitado, pois era possível rastreá-lo pelo GPS.

Na véspera da viagem, enquanto o diretor Hugo se despedia do grupo, Galdino colocaria seu plano de vingança em ação. Combinou com o amigo de beberem algo num bar próximo ao aeroporto antes do embarque.

– Hugo, façamos o seguinte. Você deixa o carro no estacionamento por volta do meio-dia e eu o busco para irmos naquele bar que íamos durante a faculdade. Devemos brindar este momento. Vou ter que ir a capital mesmo comprar umas peças para meu carro usado.

E assim se fez. No trajeto para o suposto bar, depois de pegar o amigo conforme combinado, desviou da rota entrando numa estrada vicinal e de pouco trânsito. Num trecho da estrada parou o carro no acostamento alegando algum problema no motor.

– Que merda é essa Galdino? – reclamou ao sair do carro sentindo-se irritado. – Cara, meu voo sai à noite e estou achando que…

Antes mesmo de completar a frase, Galdino o surpreendeu aplicando-lhe uma injeção que o fez apagar imediatamente. Jogou-o no porta malas do carro, antes que alguém surgisse. Em seguida parou num posto de gasolina escondendo o celular de Hugo numa das carretas estacionadas com placa de uma cidade do nordeste. E então partiu para sua vingança.

***

Galdino esperou Hugo recobrar a consciência, acordando mais zonzo do que antes.

– Bonita, né? – disse ele se aproximando e mostrando a foto da sua bela esposa.

O diretor balançava a cabeça negativamente e começou a chorar.

– Você a queria para você, né? Sempre percebi sua inveja. Você nunca prestou mesmo. Este seu jeito arrogante, se achando melhor do que os outros, com suas mentiras e farsas.

Dizendo isso, caminhou até uma mesa onde dispunha de várias ferramentas. Escolhia a mais adequada para o golpe final.

– Essa dor que você vai sentir nem se compara com a dor que vivi os últimos meses. – disse com o machado em mãos passando o dedo conferindo a lâmina afiada.

– Prometo que vou levar o time para primeira divisão. Será minha homenagem a você.

O machado subiu e desceu numa fração de segundos até acertar a vítima. Porém, a mira foi equivocada. A lâmina entrou na boca quebrando dentes e mandíbula sem decepar a cabeça de Hugo, que era a verdadeira intenção. Irritado com seu erro proferiu outro golpe rápido e seco, desta vez no pescoço, arrancando a cabeça do resto do corpo em um jato de sangue, rolando pelo chão, revestido de plástico. Em pouco tempo o piso se cobriu com uma enorme poça de sangue.

 Deu mais uma olhada para o cadáver de Hugo ao sair do porão. Na varanda, livre das vestimentas de plástico, recebeu no rosto um vento frio que anunciava a chegada da noite, enquanto a lua cheia despontava entre as nuvens no horizonte.

***

O jogo decisivo que daria acesso ao time à primeira divisão aconteceu no estádio local e a torcida lotou a arquibancada. Bastaria uma simples vitória para que a festa fosse completa. Logo, aos dez minutos, o camisa 10 deixou claro que ainda tinha muito futebol para mostrar. Driblou três, tocou para o lateral esquerdo que errou o passe de volta, mas a bola bateu na canela do zagueiro adversário, e sobrou para o centroavante marcar o primeiro gol. A torcida ficou alucinada. Terminou o primeiro tempo e, no retorno, o time se retrancou tentando surpreender no contra-ataque. Porém, nos acréscimos da etapa final, o zagueiro sensação do campeonato, num vacilo, perdeu a bola que iria deixar o atacante adversário cara a cara com o goleiro. No desespero, derrubou o atacante dentro da área, cometeu o pênalti e ainda foi expulso. A torcida ficou em silêncio, temerosa. O craque do time adversário pegou a bola, beijou-a e, quando o juiz apitou autorizando, partiu para cobrança. O goleiro pulou para direita, ainda assim, conseguiu desviar a bola com a perna esquerda. Ninguém estava acreditando no milagre ocorrido, a torcida vibrou como nunca. Inacreditável, diziam os locutores de rádio e TV. Logo depois, o árbitro apitou o fim da partida. Os torcedores invadiram o gramado e comemoraram com os jogadores. Nesse meio-tempo, os torcedores carregaram o treinador no meio do campo exaltando seu nome:

– Galdino, Galdino, Galdino…

 

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