PRECONCEITO ETÁRIO

Por Paulo Siuves

Etarismo, sabe o que é? Já ouviu falar? E preconceito? Já sofreu algum tipo de preconceito por causa da sua orientação sexual, por causa da sua orientação religiosa, por causa da sua escolha política ou esportiva? Não?? Então você não sabe o que é sentir o preconceito do outro arder na sua carne. Vem cá, vamos conversar sobre isso, vamos ter um dedo de prosa onde eu possa te falar que você vai ser vítima de preconceito na sua vida sim. Algo que está incrustrado como um corpo estranho no olho e mais cedo ou mais tarde inflama e todo mundo manda procurar o especialista dizendo; “a culpa disso é do governo”, “isso é responsabilidade dos líderes religiosos”, “não teve pais pra dar exemplo” ...

Onde você nasceu? Diz aí, qual estado ou região do Brasil em que você teve o azar de ter nascido? Como diz na música Partido Alto[1] de Chico Buarque, eternizada pelo MPB4 que eu adoro;

Deus é um cara gozador, adora brincadeira
Pois pra me jogar no mundo, tinha o mundo inteiro
Mas achou muito engraçado me botar cabreiro
Na barriga da miséria, nasci brasileiro.
*Eu sou de Minas, sou mineiro! (Buarque, 19712)

*Adaptação minha.

Elementar, meus caros amigos. Quem nunca sofreu preconceito em sua vida, prepare-se, pois se tudo der certo e você envelhecer, você vai sofrer por uma das manifestações do preconceito nas relações humanas – a discriminação por idade[2]. Se você que está lendo não for mulher, não for preto, não for gay, não for crente, não for portador de necessidades especiais, não for pobre, não for nordestino, não for asiático, não for gordo, não for excessivamente alto ou baixo, certamente não sofreu por causa de algum ato discriminatório, por ser julgado desfavoravelmente por causa de alguma das diversidades sociais apresentadas anteriormente, ou outras, posto que são tantas que não há como listar toda forma de diversidade adversa para o outro.

Esse ano, 2021, eu completo meus cinquenta anos vividos. Sim, estou na parcela dos que percebem o que é preconceito por causa da idade. E por causa disso, assistir ao vídeo de um canal humorístico (canal que não me apetece), me incomodou sobremaneira. O humorista consegue fazer pilhéria, em apenas três minutos, sobre a religião, sobre a política, sobre a mulher, infantilizando-a, tornando-as alarmistas, sobre nacionalistas, sobre os telejornalistas, sobre classe social, sobre a polícia... o garoto debocha de um monte de coisas num vídeo super rápido e que foi compartilhado à exaustão. Não há problema algum em gostar de canais de humor, aliás, o brasileiro é muito resiliente por causa do humor, consegue rir de qualquer tragédia. O problema é quando o humorismo desagua em preconceitos que provoca desigualdades causando cisões sociais entre as pessoas, colocar o idoso infantilizado como foi posto, incomoda porque promove, institucionalissimamente, o preconceito etário. Aí a música do chico se torna hino contra a desigualdade, pois o cara pobre, desdentado e feio, transforma-se em um cara capaz de lutar por aquilo que quer com valentia, "...mas se alguém me desafia e bota a mãe no meio/eu dou pernada a três por quatro e nem me despenteio" e nós queremos lutar bravamente contra o ageísmo.

O preconceito institucionalizado é o maior problema de toda a sociedade e, caramba, isso é complicado de combater. A falta de respeito pela vaga do idoso no estacionamento, no banco do ônibus, na preferência da fila, todas essas coisas passam na tv ou nos canais de humor da internet, mas o respeito em casa pelo cardápio apropriado, pela preferência do programa ou filme na tv, pelo tipo de música nas festas de família, pela compreensão na hora que não consegue segurar uma necessidade fisiológica qualquer, isso não se aprende por aí, não... tanta coisa acontece dentro de casa que são desrespeitos grotescos e que não passam na tv e que os que são bem jovens ainda não se conscientizaram.

Porque me sinto confortável para falar disso? Porque eu ouvia as músicas que minha mãe gostava junto com ela, cantores como Carlos Galhardo, Bienvenido Granda, Lamartine Babo, Emilinha Borba, Vicente Celestino, Dalva de Oliveira, Elizeth Cardoso, Ângela Maria e Aguinaldo Timóteo, Nelson Ned, Moacir Franco, e o preferido entre todos, Sérgio Reis. Mesmo quando ela estava acamada, acometida pelo Alzheimer, passávamos bons tempos ouvindo alguns cantores no YouTube ou assistindo a antigos filmes que nunca saem da cabeça da gente. Minha mãe gostava de dançar, e eu era o par dela. Numa festa de aniversário dela que minha irmã Sheyla promoveu aqui em casa, minha mãe me chamou e pediu para dançar, minha esposa quase chorou quando ouviu e nos viu dançando. Como isso aquece o meu coração e me conforta...

Agora espero que vocês pensem por um tempinho apenas: “o que meus velhos gostam de ouvir e assistir?”. Pensem que há um problema social para o qual já existe nome e problematização chamado etarismo, ou idadismo, ou ainda ageísmo. Talvez, afinal, não haja nenhuma maneira de “envelhecer bem”; talvez não haja nada, ou quase nada, de bom em envelhecer, mas, já que tem de ser, e se você tiver sorte de passar dos cinquenta também, saiba que o idadismo é uma construção social e por isso cabe a todos nós combatê-lo.



[1] Partido alto é uma canção composta por Chico Buarque, gravada no show/disco “Caetano e Chico – Juntos e ao Vivo”, no teatro Castro Alves, nos dias 10 e 11 de novembro de 1974. A música sofreu censura e teve dois termos vetados, a palavra “titica”, foi substituída por “coisica” e “Brasileiro” foi substituída por “batuqueiro”.

 

[2] De acordo com o site “Portal Hospitais Brasil” (https://portalhospitaisbrasil.com.br) a expressão foi descrita, em 1969, pelo médico norte-americano Robert Neil Butler, como termo que caracteriza o preconceito e a consequente discriminação pela idade ou pela aparência de idoso.

 

 

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